quinta-feira, 21 de agosto de 2014

VISÃO GERAL DA HISTÓRIA DA LINGUÍSTICA

PARTE II:

Desde o início vê-se surgirem, ao lado de Bopp, linguistas eminentes: Jacob Grimm, o fundador dos estudos germânicos (sua Gramática Alemã foi publicada de 1822 a 1836); Pott, cujas pesquisas etimológicas colocaram uma quantidade considerável de materiais ao dispor dos linguistas; Kuhn, cujos trabalhos se ocuparam, ao mesmo tempo, da linguística e da Mitologia comparada; os indianistas Benfey e Aufrecht etc.

Por fim, entre os últimos representantes dessa escola, merecem citação particular Max Muller, G. Curtius e August Schleicher. Os três, de modos diferentes, fizeram muito pelos estudos comparativos. Max Muller os popularizou com suas brilhantes conferências (Lições sobre a ciência da linguagem, 1816, em inglês); não pecou, porém, por excesso de consciência. Curtius, filólogo notável, conhecido sobretudo por seus Princípios de etimologia grega (1879), foi um dos primeiros a reconciliar a Gramática comparada com a Filologia clássica. Esta acompanhara com desconfiança os progressos da nova ciência, e tal desconfiança se tinha tornado recíproca. Schleicher, enfim, foi o primeiro a tentar codificar os resultados das pesquisas parciais. Seu Breviário de gramática comparada das línguas indo-germânicas (1816) é uma espécie de sistematização da ciência fundada por Bopp. Esse livro, que durante longo tempo prestou grandes serviços, evoca melhor que qualquer outro a fisionomia dessa escola comparatista que constitui o primeiro período da Linguística indo-europeia.

Tal escola, porém, que teve o mérito incontestável de abrir um campo novo e fecundo, não chegou a constituir a verdadeira ciência da Linguística. Jamais se preocupou em determinar a natureza do seu objeto de estudo. Ora, sem essa operação elementar, uma ciência é incapaz de estabelecer um método para si própria.

O primeiro erro, que contém em germe todos os outros, é que nas investigações, limitadas aliás às línguas indo-europeias, a Gramática comparada jamais se perguntou a que levavam as comparações que fazia, que significavam as analogias que descobria. Foi exclusivamente comparativa, em vez de histórica. Sem dúvida, a comparação constitui condição necessária de toda reconstituição histórica. Mas por si só não permite concluir nada. A conclusão escapava tantos a esses comparatistas quando consideravam o desenvolvimento de duas línguas como a um naturalista o crescimento de dois vegetais. Schleicher, por exemplo, que nos convida sempre a partir do indo-europeu, que parece portanto ser, num certo sentido, deveras historiador, não hesita em dizer que em grego e e o são dois “graus” (Stufen) do vocalismo. É que o sânscrito apresenta um sistema de alternâncias vocálicas que sugere essa ideia de graus. Supondo, pois, que tais graus devessem ser vencidos separada e paralelemente em cada língua, como vegetais da mesma espécie passam, independentemente uns dos outros, pelas mesmas fases de desenvolvimento, Schleicher via no o grego um grau reforçado do e como via no ã sânscrito um reforço de ã. De fato, trata-se de uma alternância indo-europeia, que se reflete de modo diferente em grego e em sânscrito, sem que haja nisso qualquer igualdade necessária entre os efeitos gramaticais que ela desenvolve numa e noutra língua.

Esse método, exclusivamente comparativo, acarreta todo um conjunto de conceitos errôneos, que, na realidade, não correspondem a nada, e que são estranhos às verdadeiras condições de toda linguagem. Considerava-se a língua como uma esfera à parte, um quarto reino da Natureza; daí certos modos de raciocinar que teriam causado espanto em outra ciência. Hoje não se pode mais ler oito ou dez linhas dessa época sem se ficar surpreendido pelas excentricidades do pensamento e dos termos empregados para justifica-las.

Do ponto de vista metodológico, porém, há certo interesse em conhecer esses erros: os erros duma ciência que principia constituem a imagem ampliada daqueles que cometem os indivíduos empenhados nas primeiras pesquisas científicas; teremos ocasião de assinalar vários deles no decorrer de nossa exposição.

Somente em 1870, aproximadamente, foi que se indagou quais seriam as condições de vida das línguas. Percebeu-se então que as correspondências que as unem não passam de um dos aspectos do fenômeno linguístico, que a comparação não é senão um meio, um método para reconstituir os fatos.

A Linguística propriamente dita, que deu à comparação o lugar que exatamente lhe cabe, nasceu do estudo das línguas românicas e das línguas germânicas. Os estudos românicos, inaugurados por Diez – sua Gramática das línguas românicas data de 1836-1838 -, contribuíram particularmente para aproximar a Linguística do seu verdadeiro objeto. O romanistas se achavam em condições privilegiadas, desconhecidas dos indo-europeístas; conhecia-se o latim, protótipo das línguas românicas; além disso, a abundância de documentos permitia acompanhar pormenorizadamente a evolução dos idiomas. Essas duas circunstâncias limitavam o campo das conjecturas e davam a toda pesquisa uma fisionomia particularmente concreta. Os germanistas se achavam em situação idêntica; sem dúvida, o protogermânico não é conhecido diretamente, mas a história das línguas que dele derivam pode ser acompanhada com a ajuda de numerosos documentos, através de uma longa sequência de séculos. Também os germanistas, mais próximos da realidade, chegaram a concepções diferentes das dos primeiros indo-europeístas.

Um primeiro impulso foi dado pelo norte-americano Whitney, autor de A vida da linguagem (1875). Logo após se formou uma nova escola, a dos neogramáticos (Junggrammatiker), cujos fundadores eram todos alemães: K. Brugmann, H. Osthoff, os germanistas W. Braune, E Sievers, H. Paul, o eslavista Leskien etc. Seu mérito constituiu em colocar em perspectiva histórica todos os resultados da comparação, e por ela encadear os fatos em sua ordem natural. Graças aos neogramáticos, não se viu mais na língua um organismo que se desenvolve por si, mas um produto do espírito coletivo dos grupos linguísticos. Ao mesmo tempo, compreende-se quão errôneas e insuficientes eram as ideias da Filologia e da Gramática comparada (1). Entretanto, por grandes que sejam os serviços prestados por essa escola, não se pode dizer que tenha esclarecido a totalidade da questão, e, ainda hoje, os problemas fundamentais da Linguística Geral aguardam uma solução.

(1) A nova escola, cingindo-se mais à realidade, fez guerra à terminologia dos comparatistas e notadamente às metáforas ilógicas de que se servia. Desde então, não mais se ousa dizer: “a língua faz isto ou aquilo” nem falar da “vida da língua” etc., pois a língua não é mais uma entidade e não existe senão nos que a falam. Não seria, portanto, necessário ir muito longe e basta entender-se. Existem certas imagens das quais não se pode prescindir. Exigir que se unem apenas termos correspondentes à realidade da linguagem é pretender que essas realidades não têm nada de obscuro para nós. Falta muito, porém, para isso; também não hesitaremos em empregar, quando se ofereça a ocasião, algumas das expressões que foram reprovadas na época.


BIBLIOGRAFIA

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2012. Capítulo I. Visão geral da história da Linguística (pp. 31-35)
Texto: VISÃO GERAL DA HISTÓRIA DA LINGUÍSTICA - Parte II
Por: Genilson Macedo - Fonte: https://linguisticaemfoco.wordpress.com/2013/09/24/linguistica-historica/

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